Os resultados
do estudo, integrante de um projeto de pós-doutorado realizado
com Bolsa
da FAPESP, foram descritos em um artigo publicado
na revista Astronomy & Astrophysics.
“Com
a identificação e caracterização dessas
82 estrelas binárias de alta massa conseguimos mais que
duplicar o número desses objetos e em uma região
completamente nova, com condições muito distintas
das encontradas na Via Láctea”, disse Leonardo Andrade
de Almeida, pós-doutorando no IAG-USP e primeiro autor
do estudo, à Agência FAPESP.
Sob a
supervisão de Augusto Damineli Neto, professor do IAG e
também um dos autores do estudo, Almeida analisou os dados
obtidos durante as campanhas de observação VLT-Flames
Tarantula Survey e The Tarantula Massive Binary Monitoring, realizadas
pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) a partir de 2011.
Por meio
de um espectrógrafo chamado Giraffe/Flames, acoplado ao
VLT – um dos telescópios com espelho primário
de 8 metros de diâmetro em operação no ESO,
no deserto do Atacama, no Chile –, foram obtidas durante
as campanhas de observação espectros (decomposição
da luz em diversas cores) de mais de 800 objetos de alta massa
na região de Tarântula, que recebeu esse nome em
razão da semelhança com a forma do aracnídeo.
Desse
total de mais de 800 objetos observados, os astrônomos integrantes
dos dois projetos identificaram 100 candidatas a estrelas binárias
de mais alta massa – também classificadas como estrelas
de tipo espectral O – em uma amostra de 360 estrelas com
base em parâmetros como a amplitude da variação
de suas velocidades radiais – a velocidade com que o objeto
se afasta ou se aproxima do observador na Terra.
Em colaboração
com colegas do exterior, Almeida analisou durante os últimos
dois anos essas 100 candidatas a estrelas binárias de alta
massa com o espectrógrafo Giraffe/Flames e conseguiu caracterizar
completamente 82 delas.
“Isso
representa o maior levantamento e caracterização
espectroscópica de sistemas binários de alta massa
já realizados, e só foi possível em razão
da capacidade tecnológica do espectrógrafo Giraffe/Flames”,
afirmou.
O instrumento
científico, desenvolvido pelo ESO, permite obter espectros
de uma combinação de objetos de uma única
vez. Ao acoplá-lo ao VLT também foi possível
observar objetos mais fracos, uma vez que, como o telescópio
possui um espelho grande, é possível coletar mais
luz, explicou Almeida.
“Por
meio do Giraffe/Flames é possível coletar 136 espectros
em uma única observação”, disse. “Isso
não era possível de ser feito no passado, quando
tínhamos instrumentos que possibilitavam observar objetos
individuais e levava-se muito tempo para caracterizá-los”,
comparou.
Grandes
semelhanças
As análises
das medidas espectroscópicas das 82 estrelas binárias
de alta massa indicaram que suas propriedades – como a razão
de massa, o período orbital (o tempo que levam para realizar
uma órbita completa) e excentricidade da órbita
(o afastamento de uma órbita da forma circular) –
são muito semelhantes às das observadas na Via Láctea.
Esse resultado
era inesperado, uma vez que a Grande Nuvem de Magalhães
representa uma fase do Universo anterior à Via Láctea,
quando foi formado o maior número de estrelas de alta massa.
Por isso, apresenta metalicidade – a proporção
de matéria constituída de elementos químicos
diferentes de hidrogênio e hélio (os dois átomos
primordiais que deram origem às primeiras estrelas) –
correspondente à metade das estrelas binárias encontradas
na Via Láctea, cuja metalicidade é muita próxima
à da solar.
“No
início do Universo, a metalicidade das estrelas era baixa.
Com a evolução química, elas foram adquirindo
mais metais em sua composição”, afirmou Almeida.
Segundo
ele, a análise feita agora durante o estudo das estrelas
binárias encontradas na Grande Nuvem de Magalhães
provê as primeiras restrições diretas sobre
propriedades de binárias massivas em galáxias com
formação estelar na época do Universo, em
que a metalicidade era igual à da Grande Nuvem de Magalhães.
“As
descobertas feitas durante o estudo podem proporcionar medidas
melhores para a realização de simulações
mais realísticas de como as estrelas de alta massa evoluíram
nas diferentes fases do Universo”, estimou Almeida.
“Com
isso, será possível ter estimativas mais precisas
da taxa de formação de buracos negros, estrelas
de nêutrons e supernovas, por exemplo, para todas as épocas
do Universo”, indicou.
As estrelas
de alta massa são as mais importantes na evolução
química do Universo, uma vez que, como são mais
massivas, geram metais pesados, evoluem mais rapidamente e terminam
suas vidas como supernovas, jogando todo o material no meio interestelar.
Esse material é reciclado, dando origem a uma nova população
de estrelas.
Usualmente
as estimativas da evolução química do Universo
e de previsões astrofísicas sobre o número
de buracos negros no cosmos, contudo, só levavam em conta
as estrelas isoladas, como o Sol, que evolui de maneira mais simples,
ponderou o pesquisador.
“Quando
se incluem as estrelas binárias para fazer essas projeções,
o resultado muda dramaticamente. Por isso, para se fazer uma predição
astrofísica mais precisa é necessário levar
esses objetos massivos em consideração”, apontou.
O artigo
“The Tarantula Massive Binary Monitoring: I. Observational
campaign and OB-type spectroscopic binaries” (doi: 10.1051/0004-6361/201629844),
de Almeida e outros, pode ser lido na revista Astronomy
& Astrophysics