sexta-feira,
17 julho, 2009 18:45
Flora
brasileira pode guardar fármacos mais eficazes que
os sintéticos
A
flora brasileira pode guardar compostos com capacidade terapêutica
muito mais eficazes que os sintéticos pesquisados
e produzidos em laboratórios.
O
alerta foi feito por Eliezer Barreiro, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) durante a mesa-redonda Biodiversidade
e a Busca por Fármacos para Doenças Negligenciadas,
na 61ª Reunião Anual da SBPC, em Manaus.
Eliezer
falou sobre as pesquisas que conduz no Laboratório
de Avaliação e Síntese de Substâncias
Bioativas da Faculdade de Farmácia da UFRJ. O professor
publicou estudos sobre a utilização do safrol,
principal componente químico do óleo de sassafrás,
em pesquisas contra a leishmaniose.
“O
safrol é um benzeno natural que era muito extraído,
em Santa Catarina, da canela sassafrás. A ganância
fez com que explorassem tanto a espécie que ela foi
praticamente extinta. A sorte é que Deus é
brasileiro. Descobrimos safrol presente numa espécie
arbustiva, a pimenta longa, na mesma concentração
que no óleo de sassafrás. E esse arbusto ainda
é muito mais fácil de manejar”, disse
Barreiro.
A leishmaniose
é uma das doenças consideradas negligenciadas
pela Organização Mundial da Saúde,
ao lado da malária, dengue, doença de Chagas,
esquistossomose, hanseníase e tuberculose. Entre
as que mais preocupam atualmente está a dengue, que
já aparece em quatro variações em todos
os estados brasileiros, com exceção do Rio
Grande do Sul.
A hanseníase
é uma das que apresentam mais opções
de substâncias curativas, enquanto que a doença
de Chagas, apesar de descoberta há 100 anos, até
hoje não possui tratamento eficaz. “Chegamos
aos 100 anos da descoberta da doença de Chagas sem
ter muito o que comemorar, porque não temos uma alternativa
terapêutica principalmente na fase crônica da
doença”, lamentou Adriano Andricopulo, do Laboratório
de Química Medicinal e Computacional da USP-São
Carlos.
Segundo
Andricopulo, há 18 milhões de pessoas infectadas
no mundo, a maioria na América Latina. São
50 mil mortes e 300 mil novos casos a cada ano. E o panorama
geral das doenças tropicais negligenciadas é
ainda mais preocupante. Há mais de um bilhão
de infectados, 1/3 da população mundial.
“As
crianças são as mais vulneráveis. A
cada 30 segundos, uma criança com menos de cinco
anos morre de malária. Dos 1.393 fármacos
registrados de 1975 a 1999, menos de 1% eram para combate
a doenças tropicais negligenciadas. E menos de 0,01%
dos mais de US$ 70 bilhões investidos em pesquisa
e desenvolvimento foram para essas doenças”,
expôs o pesquisador da USP.
Além
de necessitarem de altas somas de recursos, as pesquisas
para desenvolvimento de fármacos demandam tempo.
“Hoje, para um novo fármaco chegar ao mercado
são necessários de 12 a 15 anos, em média,
e investimentos de US$ 800 milhões a US$ 1 bilhão”,
estimou Andricopulo.
Outro
desafio a ser vencido é o parco conhecimento da biodiversidade
brasileira, que poderia servir de matéria-prima para
a produção de remédios. “Há
várias referências na literatura médica
de substâncias contra a hanseníase. Mas são
de plantas de outros países, como Índia, Marrocos,
China e Senegal. Nenhuma brasileira”, contou Alberto
Cardoso Arruda, da UFPA. “Temos pouco conhecimento
da biodiversidade vegetal da região. Temos 2.252.655
amostras de plantas em herbários no Brasil. Os Estados
Unidos têm mais de 60 milhões de amostras”.
Eliezer
Barreiro concorda que o desconhecimento da flora brasileira
pode desperdiçar componentes preciosos que jamais
poderiam ser encontrados em laboratório. “Os
produtos naturais de origem vegetal que guardam arquiteturas
moleculares originais inéditas são capazes
de esconder mecanismos de intervenção terapêutica.
Então não é só porque o esqueleto
estrutural é inovador, é original, é
artisticamente feito pela mãe natureza. Mais do que
isso, porque podem esconder mecanismos de ação
simples e absolutamente eficazes”, disse o professor
da UFRJ. “Os produtos naturais têm superioridade
incontestável na possibilidade de mecanismos moleculares
mais perfeitos”. Segundo o pesquisador, é necessário
conhecer a biodiversidade brasileira nem que seja para apenas
protegê-la.
“Na
natureza temos desafios enormes, mas estão à
altura da nossa biodiversidade. Se não desenvolvermos
uma tecnologia compatível a esse desafio, vamos continuar
pensando de forma colonizada. Precisamos de mais capacidade
de produzir extratos em grande quantidade, de forma adequada
e nos quatro cantos do país”, afirmou Eliezer.
“Também precisamos de biotérios que
nos permitam esses ensaios de forma efetiva e laboratórios
para testar em animais, seguindo os protocolos exigidos”.
Mas,
de acordo com Alberto Arruda, há barreiras que atravancam
o trabalho, entre elas a legislação, que deveria
ser mudada pelo governo federal. “Trabalhar com plantas
no Brasil não é fácil por causa das
nossas leis de acesso, de coleta. Para você trabalhar
legalmente não é fácil. E a gente precisa
trabalhar legalmente”, queixou-se o professor da UFPA.
Daniela
Amorim, do Jornal da Ciência, para a Agência
SBPC