sábado,
18 julho, 2009 19:24
Três
décadas de pesquisa sobre o peixe-boi da Amazônia
Em
toda a bacia amazônica há um tipo de mamífero
que, apesar do porte avantajado, é difícil
visualizá-lo devido ao seu comportamento um tanto
discreto e à turbidez das águas dos rios da
Amazônia.
Mas
nas últimas três décadas, pesquisadores
da região realizaram uma série de estudos
que possibilitaram conhecer melhor e assegurar a preservação
dessa espécie que está ameaçada de
extinção: a Trichechus inunguis, mais conhecida
como peixe-boi da Amazônia.
“Temos
um mosaico de informações sobre essa espécie,
que é a única das três existentes no
mundo que vive em água doce. São vários
trabalhos que formam um retrato que nos permite entendê-la
melhor no ecossistema e estudar medidas de conservação”,
diz a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (Inpa), Vera Maria Ferreira da Silva. Ela
abordou esse assunto em uma conferência durante a
61ª Reunião Anual da SBPC, em Manaus (AM).
De acordo
com Vera Maria, o peixe-boi da Amazônia exerce um
papel fundamental na cadeia alimentar e no ecossistema aquático
amazônico. Ao se alimentar nas grandes ilhas de capim
flutuante existentes nos rios da Amazônia, o maior
herbívoro aquático controla o crescimento
dessas plantas e, com suas fezes e urina, fertiliza as águas,
contribuindo para a manutenção do ambiente.
“Ele transforma essas macrófitas em partículas
menores, por meio de suas fezes, que servem de alimento
para outras espécies de animais também presentes
nos rios da Amazônia”, conta a pesquisadora.
Extinção
– O peixe-boi teve muita importância no período
de colonização do Brasil, em que foi a base
de alimentação, primeiramente dos indígenas
e, depois, dos colonizadores europeus. Além de ser
consumida em diversas regiões do País, a carne
do animal era exportada para a Europa, preservada em sua
própria gordura, que também era utilizada
para iluminação. E seu couro era usado para
a fabricação de cola e correias de maquinários,
como as de teares e veículos de locomoção,
o que levou ao rápido declínio da espécie.
“Milhares
de peixes-bois da Amazônia foram mortos com essas
finalidades. O padre José de Anchieta já falava,
em seus relatos da época, sobre a matança
do animal e há diversos registros sobre a retirada
deles da Amazônia”, afirma a pesquisadora. Segundo
ela, em um desses documentos históricos consta que,
em um período de 30 anos, 200 mil couros de peixe-boi
foram exportados para fora da região amazônica.
E que as fêmeas, juntamente com seus filhotes, eram
mais vulneráreis à captura e mais visadas
pelos pescadores por terem mais gordura acumulada do que
os machos.
Os pesquisadores
não possuem estimativas do tamanho da população
de peixes-bois da Amazônia, devido à dificuldade
de se observar o animal em seu ambiente natural. O que se
sabe, é que a população da espécie
foi drasticamente reduzida nos últimos anos, mas
acredita-se que esteja em recuperação atualmente
em função da proteção legal
do animal. Programas de reintrodução de filhotes
mantidos em cativeiro, como o coordenado pelo Laboratório
de Mamíferos Aquáticos (LMA), do Inpa, também
estão dando sua contribuição para a
conservação da espécie.
Reprodução
– Fundado em 1974, o “Projeto Peixe-boi”,
do LMA, desenvolveu os primeiros estudos sobre a biologia
e conservação do peixe-boi da Amazônia,
em que obteve importantes resultados sobre o metabolismo
e a fisiologia da espécie. Mas o maior passo dado
pelos pesquisadores do Laboratório foi conseguir
reproduzir o animal, que vive mais de 50 anos e se reproduz
a partir dos sete anos, em cativeiro. A capacidade de reprodução
em cativeiro possibilita repovoar outras áreas da
bacia amazônica onde a espécie não estiver
mais presente e manejá-la no ecossistema aquático.
“O
peixe-boi da Amazônia é uma espécie
que sobrevive bem em cativeiro. Mas sua reintrodução
no ambiente natural é um desafio, porque esses animais
ficam muito tempo em tanques e é difícil adaptá-los
a uma nova vida, na natureza, sem nunca terem vivido nesse
ambiente”, explica a pesquisadora.
Segundo
ela, uma das linhas de pesquisa em que estão trabalhando
atualmente é com a bioacústica. Já
utilizada em estudos populacionais de outras espécies
de mamíferos marinhos, como baleias e golfinhos,
por meio desta técnica, em que são instalados
aparelhos gravadores de som no fundo dos oceanos, é
possível estimar o tamanho da população
de uma espécie em uma determinada área e analisar
suas rotas migratórias. “Com essa ferramenta
para estudos populacionais podemos fazer um censo acústico
para estimar quantos peixes-bois há em um determinado
rio ou lago e o número de animais migrantes”,
detalha a pesquisadora.
Outro
desdobramento desse trabalho foi a habilidade de se diferenciar
machos das fêmeas e dos filhotes por meio de suas
vozes. Atualmente, os pesquisadores estão estudando
a evolução vocal dos filhotes de peixe-boi
da Amazônia, como se estabelece a comunicação
entre a mãe e o filhote e se essa comunicação
continua quando são separados na natureza. “Queremos
saber se a voz deles representa uma assinatura única.
Mas ainda estamos longe de obter respostas específicas”,
afirma Vera Maria.
Elton
Alisson, da Assessoria de Imprensa da SBPC, para a Agência
SBPC