terça-feira,
26 fevereiro, 2019 - 9h04 | MEIO
AMBIENTE
Rompimento
de barragens de rejeitos e preço dos minérios
A
volatilidade de preços é uma característica
intrínseca às commodities, como os minérios
de ferro. Nas últimas cinco décadas, por exemplo,
esses produtos passaram por diversos ciclos de valorização
seguidos por períodos de desvalorização
Elton
Alisson | Agência FAPESP
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Rompimento
de barragens de rejeitos e preço dos minérios
- Estudo aponta que, em períodos de baixa na cotação
dessas commodities, mais desastres em mineração
acontecem devido a cortes nos custos operacionais | foto:
Ponte ferroviária que desabou após desastre
em Brumadinho (MG)/Wikimedia Commons |
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Um estudo
feito por pesquisadores canadenses, com base na análise
de 143 desastres em mineração reportados no mundo
entre 1968 e 2009, apontou que há uma correlação
entre os ciclos de alta e de baixa dos preços dos minérios
no mercado internacional com rompimentos de barragens de rejeitos.
A explicação
dos pesquisadores para essa correlação é
que, em períodos de elevação dos preços
dos minérios, normalmente os procedimentos de licenciamento
e de execução da construção de barragens
de rejeitos são acelerados em razão da pressão
das mineradoras para aproveitar essa fase de bonança. Já
em períodos subsequentes de queda no preço dos minérios,
há uma pressão, também por parte das empresas,
para reduzir os custos operacionais, como os de manutenção
e de segurança dessas obras. Em razão disso, há
um aumento do risco de rompimentos de barragens nessa fase de
baixa de preços tanto em intervalo de tempo como em número.
“Ficou
muito claro nesse estudo que há uma correlação
entre o ciclo de baixa de preço de minérios, como
o cobre, com um aumento no número de rompimentos de barragens
de rejeitos”, disse Bruno
Milanez, professor da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), durante um seminário promovido pelo
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo (IEA-USP), no dia 14 de fevereiro, sobre os desastres de
Mariana
e Brumadinho.
O evento
fez parte das atividades do Projeto Temático "Governança
Ambiental da Macrometrópole Paulista face à variabilidade
climática" (MacroAmb), apoiado pela
FAPESP.
“Apesar
de estar em uma região que não é coincidente
com a macrometrópole, Brumadinho traz uma temática
que é fundamental, que é a discussão sobre
a mineração e seus efeitos sobre a sociedade quando
não há responsabilização e adequação
a normas legais e de segurança”, disse Pedro Roberto
Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da
USP e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
Os pesquisadores
da UFJF aplicaram o modelo de correlação do ciclo
de preço dos minérios com desastres em mineração,
desenvolvido pelos pesquisadores canadenses, em um estudo
de caso do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora
Samarco, em Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015.
“Constatamos
que esse modelo se aplicou perfeitamente bem para explicar, do
ponto de vista da economia mineral, o rompimento da barragem de
Fundão”, afirmou Milanez.
Os pesquisadores
constataram que o pedido de licenciamento ambiental para construção
da barragem foi feito pela Samarco em 2006, no início de
um ciclo de alta de preço dos minérios. Em menos
de um ano, em 2007, a empresa obteve as licenças prévias
e de instalação e, em 2008, a licença de
operação da barragem.
“Observamos
que a empresa levou menos de dois anos para apresentar o estudo
de impacto ambiental e obter a licença de operação
da barragem, um período bastante rápido”,
afirmou Milanez.
O rompimento
da barragem ocorreu justamente no período de baixa da cotação
de minérios no mercado internacional. Os pesquisadores
também identificaram que a partir de 2012, quando iniciou
o último ciclo de queda de preço dos minérios,
o número de acidentes de trabalho registrados e relatados
pela empresa começou a aumentar. “Isso remete à
hipótese de que, nesse período, ocorreram problemas
de gestão de segurança na empresa”, estimou
Milanez.
Segundo
o pesquisador, um inquérito da Polícia Civil de
Minas Gerais, divulgado em 2016, concluiu que a causa do rompimento
da barragem de Fundão foi a liquefação –
quando um material rígido, no caso o rejeito de minério,
passa a se comportar como um fluido em razão da água
presente nele. Esse processo também é apontado como
a possível causa do rompimento da barragem de Brumadinho.
Entre
os fatores que contribuíram para o processo de liquefação
da barragem de Fundão o inquérito apontou falhas
no monitoramento contínuo do nível da água
e da pressão dos poros junto aos rejeitos. Indicou ainda
que o monitoramento foi deficiente em virtude do número
reduzido de equipamentos instalados.
“O
inquérito apontou uma série de problemas operacionais
na parte de segurança e de monitoramento da barragem”,
afirmou Milanez.
Já
no caso do rompimento da barragem 1 da Vale, em Brumadinho, ainda
não está clara a correlação entre
a variação de preços dos minérios
com o desastre. Isso porque, de acordo com o pesquisador, ao contrário
da Samarco, que possui uma única mina, a Vale tem muito
mais empreendimentos. Isso torna a análise mais complexa
e os dados mais difíceis de serem obtidos.
“O
que se sabe até agora é que a empresa vinha se recuperando
de um alto endividamento e passou por um grande processo de expansão”,
afirmou Milanez. “Começou a fazer uma série
de desinvestimentos para tentar saldar suas dívidas, estava
pagando altos dividendos aos acionistas para recuperar seu valor
de mercado e, ao mesmo tempo, a barragem vinha apresentando problemas
em seu monitoramento”, disse.
Procurada
pela reportagem, a Vale afirmou não estar “concedendo
entrevistas individuais no momento, mas conversando com a imprensa
por meio de coletivas, dado que a empresa está 100% focada
no atendimento aos atingidos pelo rompimento da barragem”.
Lições
não aprendidas
Na avaliação
de Milanez, o rompimento da barragem de Fundão alertou
para uma série de problemas de fiscalização
desses empreendimentos, não só em Minas Gerais,
como no país.
O modelo
de automonitoramento, em que as mineradoras escolhem as empresas
que irão auditar suas barragens e atestar a estabilidade
delas, se mostrou totalmente impraticável, afirmou. “Esse
sistema de automonitoramento das barragens já vinha se
mostrando falho e não está sendo colocado em discussão
atualmente”, disse.
No ano
seguinte ao rompimento da barragem de Fundão, em 2016,
também houve uma modificação na legislação
mineral de Minas Gerais que tornou o licenciamento ambiental ainda
mais permissivo, apontou o pesquisador.
“Vimos
que houve movimentações políticas que, em
vez de tornar a legislação ambiental da atividade
de mineração em Minas Gerais mais cuidadosa em relação
ao processo de licenciamento ambiental, a tornaram menos rigorosa”,
afirmou.
De acordo
com Luis
Enrique Sánchez, professor da Escola
Politécnica da USP, há uma série de conhecimentos
e recomendações de ações de boas práticas
na gestão de riscos – reunidas em publicações
feitas pelo Comitê Internacional de Grandes Barragens e
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
– que tratam da conscientização e da preparação
para emergências no plano local para mineração.
Essas
lições, que começaram a ser aprendidas a
partir de experiências da indústria química,
envolvida em uma série de desastres que aconteceram nas
últimas décadas, com grandes consequências
sobre populações e comunidades locais, não
têm sido aplicadas, ponderou Sánchez.
“Atualmente,
é obrigatório, por conta de uma regulamentação,
a colocação de placas indicando rotas de fuga em
locais próximos a barragens de rejeitos em Minas Gerais,
por exemplo. Mas sabemos que essa ação básica
ainda não foi adotada em muitas barragens em operação
ou inativas no país”, afirmou o pesquisador.
Os desastres
de Mariana e de Brumadinho apontam para a necessidade do setor
de mineração no Brasil e no mundo repensar e transformar
seus métodos de exploração e transformação
desses minérios em riqueza para a sociedade, uma vez que
são bens públicos, ponderou Alexandre Orlandi Passos,
pesquisador do Núcleo de Pesquisa para Mineração
Responsável (NAP.Mineração) da USP.
“A
mineração recebe do estado uma concessão
para extrair uma riqueza do subsolo e trazê-la para a sociedade.
Essa atividade não pode se encerrar na extração
do mineral e no depósito dos rejeitos como um passivo ambiental.
Esse processo tem de ser repensado”, afirmou.
De acordo
com dados apresentados por ele, a atividade de mineração
produz 600 milhões de toneladas de rejeitos de minérios
por ano, dos quais 200 milhões são originados em
Minas Gerais.
Parte
desses rejeitos poderia ser usada para uma série de outras
finalidades, em vez de ser estocada em reservatórios como
um passivo ambiental por ser uma solução mais barata,
indicou o pesquisador. Entre as alternativas está a construção
de moradias mais baratas e de estruturas hídricas, como
lagos artificiais, para o controle de cheias, por exemplo. Já
as áreas degradadas pela atividade de mineração
poderiam ser transformadas em áreas de lazer, indicou.
“O
lago central do Parque do Ibirapuera foi uma cava de areia, ou
seja, teve origem na atividade de mineração”,
exemplificou Passos.
O
artigo Mining market cycles and tailings dam incidents, de Michael
Davies e Todd Martin, publicado no Proceedings of 13th International
Conference on Tailings and Mine Waste.
E o artigo
Antes fosse mais leve a carga – reflexões
sobre o desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton, de Bruno Milanez,
Luiz Wanderley, Maíra Mansur, Raquel Pinto, Ricardo Gonçalves,
Rodrigo Santos e Tádzio Coelho, pode ser lido no livro
“A
questão mineral no Brasil”, volume 2.